A criação deste espaço coincidiu com uma data pra la de especial para nós, mulheres, o dia 08 de março. Fruto da luta de algumas corajosas representantes do sexo ‘frágil’ o dia internacional das mulheres clama um reconhecimento social e profissional, somados ao processo de construção de uma identidade feminina. Assim, não havia melhor pauta para inaugurar um ambiente destinado a debates e reflexões em torno dos aspectos relativos a esse universo.
No início do século
XX nos Estados Unidos e na Europa, por motivos justos e urgentes algumas destemidas
representantes do gênero iniciaram uma luta por condições dignas de trabalho e
direitos sociais para as mulheres. A reivindicação era pelos primeiros direitos
que a mulher acabou por conquistar, entre eles o direito à educação, profissão
e ao voto. Deste modo, quando a indústria absorveu a mão de obra feminina em
maior escala durante a Segunda Revolução Industrial, já na virada do século XX,
as perigosas condições de trabalho motivaram protestos de operárias em diversas
partes do mundo com evidência nos Estados Unidos, Alemanha, Áustria e na
Rússia. Desde então, diversos episódios narram grandes embates sociais como
reflexo de afrontas necessárias às conquistas que se sucederam. Chega parecer simpático
um cartaz soviético que anunciava em 1932; “Diga
NÃO à opressão e ao conformismo do trabalho doméstico!”.
Dias atrás, ao
organizar minha tímida biblioteca particular (re)encontrei um exemplar
organizado em 1972, por Frei Urbano Plentz, o título imediatamente vibra curiosidade:
Curso de Masculinidade e Feminilidade. Em certo capítulo, discute-se a
trajetória da mulher na história da humanidade, e assim descobri o que ecoou nas
palavras de Pitágoras a respeito das mulheres; “existe um princípio bom que criou a ordem, a luz e o homem, e um
princípio mau que criou o caos, a escuridão e a mulher”. Na civilização
grega a mulher não era aceita na sociedade, coagida permanecia no gineceu
(aposento destinado às mulheres com o propósito de segregá-las do convívio masculino
na sua própria família). Avaliada pela Política
de Aristóteles, a mulher era um ser inferior por não possuir o Logos, (parte racional da alma
feminina). Já Santo Agostinho, expressando a ideia de sua época apresenta a
mulher como escrava do homem: “Consta que
a mulher está destinada a viver sob o império do homem e não pode ter sobre seu
senhor nenhuma autoridade”. Na idade média, Santo Tomás retoma as ideias da
filosofia grega: “A mulher é um homem
diminuído. Não é a mãe que engendra aquele que chamamos o seu filho. Ela é apenas
a nutriz do germe derramado em seu seio e quem engendra é o pai”.
Sob o olhar de Mary
Douglas, havia uma relação entre a mulher e o maléfico, explicitado nitidamente
por Kramer e Sprenger como algo próprio à cultura judaico-cristã, uma relação sobrenatural
satânica por meio de cerimonias orgásticas (Sabbat) realizadas nas florestas a
partir do século XV. Já nas primeiras décadas do século XX, nasce o movimento
do feminismo. De 1939-1950 cria-se a “sociedade do consumo” e uma gigantesca
propaganda é veiculada objetivando a “volta da mulher ao lar”. De 1950-1960 foi
construída a imagem da mulher sexy com cabeça oca. As moças eram educadas para
tornarem-se “caçadoras de homens”, foi quando uma revista de destaque na época direcionou
uma propaganda para meninas de 10 anos: “Ela
também pode torna-se caçadora de homens”. Já nas décadas de 1960-1970 a
mulher não mais queria ser a boneca sexy, nem a mãe sacrificada e assexuada,
foi quando descobriu que estava desesperadamente separada do homem. Em decorrência
de tamanhas construções e (des)construções da imagem feminina, o homem dividiu
a imagem da mulher em mãe assexuada (supermãe) e a prostituta, instrumento de
prazer e especialista em todos os pecados da carne. De tal modo que optou por
não se entregar a nenhuma delas, até porque se descobriu implacavelmente só.
Por fim, Frei
Urbano finaliza sua obra ao citar a tese de Rose Marie Muraro; nossa sociedade
é esquizofrênica e dividida entre “schizo”,
que significa partir e “phrenos”, que
significa alma, há divisão de classes e sexos, há sempre uma divisão entre
“dominante e dominado”. O caminho para uma possível solução exige principalmente
assumir a esquizofrenia, isso supõe uma conscientização da situação da mulher e
um questionamento de si mesma. Depois vem a superação do dualismo na reunificação
do homem com ele mesmo. Segundo Muraro, o ser andrógino é uma verdadeira resolução das neuroses e conflitos,
principalmente a respeito de nossas percepções, sobre nosso corpo e o corpo do
outro. A palavra androginia é de origem grega, composta dos termos: aner, andros homem e gune, gunaicos, mulher. O ser andrógino
seria uma espécie de ser total na ideia do filósofo Platão, um ser que existiu
no principio composto por duas cabeças, quatro braços e quatro pernas. Assim, eram
considerados seres tão fortes que chegavam a constituir ameaça aos Deuses do
Olimpo, e por isso Júpiter enciumado, resolveu o problema cortando-os ao meio.
Dessa forma, passariam a eternidade tentando se juntar novamente e não mais
atrapalhariam os Deuses.
E quanto à mulher
de hoje? As que possuem o mesmo ethos político
permanecem em busca da efetivação do reconhecimento social e profissional, uma
contestação à hipocrisia que ainda nos cerca em uma redoma. Mudanças e uma
longa caminhada nos aguardam no horizonte. Não se trata de uma guerra de
gêneros, mas sim, do reconhecimento de um vácuo da participação feminina
sub-representada politicamente nos canais de acesso ao poder. O escritor francês
Laforgue disse na década de 70: “Até
agora brincamos de bonecas com as mulheres; mas já faz tempo demais que isso
dura. Moças, quando serão vocês nossas irmãs íntimas, sem segundas intenções de
exploração? Quando nos daremos o
verdadeiro aperto de mão”? Passadas quatro décadas de tal indagação, um
cenário hipócrita ainda permite o mesmo questionamento: Moças,
quando seremos nós irmãs íntimas de gênero, sem segundas intenções de
exploração?
Amei!!!!Fico feliz por comportilhar e nos enriquecer com este texto maravilhoso sobre a mulher!!!
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