quinta-feira, 8 de março de 2012

Um eco na história

A criação deste espaço coincidiu com uma data pra la de especial para nós, mulheres, o dia 08 de março. Fruto da luta de algumas corajosas representantes do sexo ‘frágil’ o dia internacional das mulheres clama um reconhecimento social e profissional, somados ao processo de construção de uma identidade feminina. Assim, não havia melhor pauta para inaugurar um ambiente destinado a debates e reflexões em torno dos aspectos relativos a esse universo.
No início do século XX nos Estados Unidos e na Europa, por motivos justos e urgentes algumas destemidas representantes do gênero iniciaram uma luta por condições dignas de trabalho e direitos sociais para as mulheres. A reivindicação era pelos primeiros direitos que a mulher acabou por conquistar, entre eles o direito à educação, profissão e ao voto. Deste modo, quando a indústria absorveu a mão de obra feminina em maior escala durante a Segunda Revolução Industrial, já na virada do século XX, as perigosas condições de trabalho motivaram protestos de operárias em diversas partes do mundo com evidência nos Estados Unidos, Alemanha, Áustria e na Rússia. Desde então, diversos episódios narram grandes embates sociais como reflexo de afrontas necessárias às conquistas que se sucederam. Chega parecer simpático um cartaz soviético que anunciava em 1932; “Diga NÃO à opressão e ao conformismo do trabalho doméstico!”.  

Dias atrás, ao organizar minha tímida biblioteca particular (re)encontrei um exemplar organizado em 1972, por Frei Urbano Plentz, o título imediatamente vibra curiosidade: Curso de Masculinidade e Feminilidade. Em certo capítulo, discute-se a trajetória da mulher na história da humanidade, e assim descobri o que ecoou nas palavras de Pitágoras a respeito das mulheres; “existe um princípio bom que criou a ordem, a luz e o homem, e um princípio mau que criou o caos, a escuridão e a mulher”. Na civilização grega a mulher não era aceita na sociedade, coagida permanecia no gineceu (aposento destinado às mulheres com o propósito de segregá-las do convívio masculino na sua própria família). Avaliada pela Política de Aristóteles, a mulher era um ser inferior por não possuir o Logos, (parte racional da alma feminina). Já Santo Agostinho, expressando a ideia de sua época apresenta a mulher como escrava do homem: “Consta que a mulher está destinada a viver sob o império do homem e não pode ter sobre seu senhor nenhuma autoridade”. Na idade média, Santo Tomás retoma as ideias da filosofia grega: “A mulher é um homem diminuído. Não é a mãe que engendra aquele que chamamos o seu filho. Ela é apenas a nutriz do germe derramado em seu seio e quem engendra é o pai”.

Sob o olhar de Mary Douglas, havia uma relação entre a mulher e o maléfico, explicitado nitidamente por Kramer e Sprenger como algo próprio à cultura judaico-cristã, uma relação sobrenatural satânica por meio de cerimonias orgásticas (Sabbat) realizadas nas florestas a partir do século XV. Já nas primeiras décadas do século XX, nasce o movimento do feminismo. De 1939-1950 cria-se a “sociedade do consumo” e uma gigantesca propaganda é veiculada objetivando a “volta da mulher ao lar”. De 1950-1960 foi construída a imagem da mulher sexy com cabeça oca. As moças eram educadas para tornarem-se “caçadoras de homens”, foi quando uma revista de destaque na época direcionou uma propaganda para meninas de 10 anos: “Ela também pode torna-se caçadora de homens”. Já nas décadas de 1960-1970 a mulher não mais queria ser a boneca sexy, nem a mãe sacrificada e assexuada, foi quando descobriu que estava desesperadamente separada do homem. Em decorrência de tamanhas construções e (des)construções da imagem feminina, o homem dividiu a imagem da mulher em mãe assexuada (supermãe) e a prostituta, instrumento de prazer e especialista em todos os pecados da carne. De tal modo que optou por não se entregar a nenhuma delas, até porque se descobriu implacavelmente só.

Por fim, Frei Urbano finaliza sua obra ao citar a tese de Rose Marie Muraro; nossa sociedade é esquizofrênica e dividida entre “schizo”, que significa partir e “phrenos”, que significa alma, há divisão de classes e sexos, há sempre uma divisão entre “dominante e dominado”. O caminho para uma possível solução exige principalmente assumir a esquizofrenia, isso supõe uma conscientização da situação da mulher e um questionamento de si mesma. Depois vem a superação do dualismo na reunificação do homem com ele mesmo. Segundo Muraro, o ser andrógino é uma verdadeira resolução das neuroses e conflitos, principalmente a respeito de nossas percepções, sobre nosso corpo e o corpo do outro. A palavra androginia é de origem grega, composta dos termos: aner, andros homem e gune, gunaicos, mulher. O ser andrógino seria uma espécie de ser total na ideia do filósofo Platão, um ser que existiu no principio composto por duas cabeças, quatro braços e quatro pernas. Assim, eram considerados seres tão fortes que chegavam a constituir ameaça aos Deuses do Olimpo, e por isso Júpiter enciumado, resolveu o problema cortando-os ao meio. Dessa forma, passariam a eternidade tentando se juntar novamente e não mais atrapalhariam os Deuses.

E quanto à mulher de hoje? As que possuem o mesmo ethos político permanecem em busca da efetivação do reconhecimento social e profissional, uma contestação à hipocrisia que ainda nos cerca em uma redoma. Mudanças e uma longa caminhada nos aguardam no horizonte. Não se trata de uma guerra de gêneros, mas sim, do reconhecimento de um vácuo da participação feminina sub-representada politicamente nos canais de acesso ao poder. O escritor francês Laforgue disse na década de 70: “Até agora brincamos de bonecas com as mulheres; mas já faz tempo demais que isso dura. Moças, quando serão vocês nossas irmãs íntimas, sem segundas intenções de exploração? Quando nos daremos o verdadeiro aperto de mão”? Passadas quatro décadas de tal indagação, um cenário hipócrita ainda permite o mesmo questionamento: Moças, quando seremos nós irmãs íntimas de gênero, sem segundas intenções de exploração?

Um comentário:

  1. Amei!!!!Fico feliz por comportilhar e nos enriquecer com este texto maravilhoso sobre a mulher!!!

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