Em
meio a provocações que abraçam nosso cotidiano danei a pensar na aridez do meu
próprio deserto. A proximidade dos festejos natalinos segue obstinada na
publicação de ausências, que por vezes carregamos dissimuladamente pela vida afora.
Assim
como Macabea, a intrigante personagem criada pela escritora Clarice Lispector,
habitualmente quero saber o que se esconde por trás das palavras. A saber, entre tantas outras, a palavra
saudade nomeadamente me chamou a atenção.
A
etimologia da palavra saudade aponta
sua raiz na palavra latina solitatem. A
expressão retrata uma mistura de sentimentos como tristeza e esperança.
Tristeza pela ausência de uma pessoa, de um país, daquilo que se está distante
e privado, no entanto, com resguardo da esperança de ainda revê-los.
Na língua árabe, as expressões saiad, saudá e suaidá,
além de “sugerir” a palavra saudade têm sentido de profunda tristeza, “do
sangue pisado e preto dentro do coração”.
Já
no poema dramático, O Marinheiro, escrito em 1913 por Fernando Pessoa, a palavra saudade
apresenta-se de maneira natural quando uma das personagens, a Segunda
Veladora, declara que “só o mar das outras terras é que é belo. Aquele que
nós vemos dá-nos sempre saudades daquele que não veremos nunca...”.
A
saudade assim refere-se a um sentimento investido num evento ainda não
atualizado. O atual, que se contrapõe ao subjetivo. Do atual não sentimos
saudade, pois não há ausência, não nos acena como possibilidade, é aqui e
agora. Não há sangue para ser (re)pisado dentro do coração.
Ao
sentir pesar pela falta de pessoas, ou daquilo que nos encontramos privados acabamos
sustentando o desejo de novamente as tornar a possuir. Logo, a saudade vista
como algo subjetivo, mas, que se inviabiliza em potência ao tornar concreto nosso desejo.
A bem
da verdade ambiciono construir minha própria Hiperbórea, de sol resplandecente
e felicidade intocável, mesmo com alicerces feitos de nuvens. É com este
combustível, que sustento o sonho do (re)encontro com a madrinha Leopoldina, avó Maria e tantos outros personagens da minha história.
Estas saudades em destaque, a saber, carrego com máxima esperança no natal e em todos os outros dias
do ano.
Muitos
falam que a palavra saudade não possui “sentido” em determinadas línguas e
culturas. O que acredito ser pouco provável. O que não há é conhecimento, porque,
decerto deve haver outras maneiras de sentir e noticiar o sangue pisado e preto,
que por ocasiões parecemos carregar dentro do coração.
ALMEIDA, R. C. de. Dicionário
etimológico da língua portuguesa. Brasília: Valci Editora LTDA, 1980.
BUENO, F. da S. Grande
dicionário etimológico-prosódico da língua portuguesa. São Paulo: Ed.
Brasília LTDA, 1974.
PESSOA, F. O eu profundo e os
outros eus. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1980.