Em lembranças de um
tempo não muito distante, o homem para manter sua honra imaculada precisava cumprir
com a palavra empenhada. Nesta época, um único fio do bigode servia como garantia
do cumprimento de pactos importantes. A expressão “fio do bigode” simulava o
acordo firmado entre cavalheiros, sem assinatura de documentos ou qualquer
outro ritual burocrático. Se acaso uma das partes se negasse a cumprir com o
combinado, o fio do bigode do sujeito confirmava o (des)acordo como também identificava
o malfeitor. Frei Bernardino Leers, ao propor uma profunda reflexão sobre o tal
“jeitinho brasileiro”, algo intrínseco a nossa cultura, possivelmente percebeu
a dualidade de propósitos entre ambos os conceitos. De um lado, “o fio do
bigode” que representa a capacidade de pautarmos nossas atitudes por valores éticos
como honestidade, integridade, lealdade, respeito e outros mais. Por outro
lado, o “jeitinho brasileiro” acaba por eleger a vantagem como algo de
importância maior. E assim, ora ou outra, nos deparamos com situações que se
esgotam nesta encruzilhada de resultados tão distintos, a manutenção de uma reputação
impoluta, ou a conquista de apropriada vantagem. Já nas esquinas dos nossos
relacionamentos, lidamos constantemente com palavras proclamadas sem a real
preocupação a respeito dos significados que carregam. A maioria das pessoas
ignoram a miséria causada pelo desamparo aos seus pronunciamentos, o que acaba
por ressignificá-las, à luz dos olhos de quem as enxergam. E a cada dia que passa
se torna mais incomum a convivência com os tais sujeitos de “bigodes”. Desejo
que nossos filhos e netos possam ouvir mais histórias sobre o Visconde de Mauá¹, homem que em grande parte de sua vida dividiu-se entre as atividades
de industrial e banqueiro, contudo, morrera pobre aos setenta e seis anos de
idade, com a sua moral ilibada.
¹Irineu
Evangelista de Sousa nasceu em Arroio Grande, então distrito do município de
Jaguarão RS, em 28 de dezembro de 1813. Órfão de pai viajou para o Rio de
Janeiro RJ em companhia de um tio, capitão da marinha mercante. Aos 11 anos
empregou-se como balconista de uma loja de tecidos. Em 1830 passou a trabalhar
na firma importadora de Ricardo Carruthers, que lhe ensinou inglês,
contabilidade e a arte de comerciar. Aos 23 anos tornou-se gerente e logo
depois sócio da firma. Em 1845, Irineu tomou sozinho a frente do ousado
empreendimento de construir os estaleiros da Companhia Ponta da Areia, com que
iniciou a indústria naval brasileira. Devem-se a Mauá a iluminação a gás da
cidade do Rio de Janeiro (1851), a primeira estrada de ferro, da Raiz da Serra
à cidade de Petrópolis RJ (1854), o assentamento do cabo submarino (1874) e
muitas outras iniciativas. Em 1875, viu-se obrigado a pedir moratória, a que se
seguiu longa demanda judicial, derradeiro capítulo da biografia de grande
empreendedor. Doente, minado pelo diabetes, só descansou depois de pagar todas
as dívidas. Ao longo da vida recebeu os títulos de barão (1854) e visconde com
grandeza (1874) de Mauá. O Visconde de Mauá morreu em Petrópolis-RJ, no dia 21
de outubro de 1889, ao lado da viúva e um, dos dezoito filhos que teve.