quarta-feira, 30 de janeiro de 2013

Ó Sancta simplicitas!




Em celebração íntima e singular do meu último aniversário um pensamento demorado me afetou. Tamanha a obstinação do pensar, que ocorrestes a minha revelia (es denkt). Ao alcançar trinta e quatro anos de vida, sem desconto ou acréscimos, os limites da minha curta e limitada perspectiva de rã (Froschperspektive) ganhou asas (Vogelperspektive). Desvestida da pretensão de promover julgamentos, apenas a título de pesquisa refleti sobre o ‘barato’ de viver camuflando a verdadeira idade. Que graça derramaria de uma felicidade tão clandestina como esta? Bastaria uma escolha entre um punhado de certezas, ou um caminhão de invenções? Até agora, pouco nos adiantou a manutenção de comportamentos grisalhos e cheirando a mofo, que acabaram por nos confundir uns com os outros. Aceito, assumo e agradeço minha atual idade, sem embargos ou judiciosos preconceitos populares. Não mais permito que roubem a beleza discretamente contida no processo de envelhecer. A fim de ocultar particulares coleções de idades, a longevidade ganhou contornos deturpados, nocivos e covardes. Com efeito, a idade cronológica vista por uma contagem de tempo vivido de maneira linear não poderia ser entendida como um prêmio? O corpo por natureza não cobiça a longevidade? Nada obstante, cabe a nós o respeito aos seus limites, necessidades e manutenção. Em sentido histórico ansiamos por ideias com as quais podemos viver melhor, mas daí, disfarçar uma abastada coleção de anos, francamente não me parece lá muito proveitoso. Com todo respeito ao “refinado ateísmo”, acredito ser este o propósito da criação divina, a vivência sob todas as etapas que a vida proporciona. Por pura ambição, nem bem completei a nova idade, já recorro às orações pela graça de viver o dobro de anos já somados. A saber, a velhice me acena com sorriso largo e franco. Sabido o Frei Bernardino Leers, que nos alertou para os prazeres contidos na contemplação do panorama de quem se encontra no alto da montanha da vida.  É de lá que espero registrar os derradeiros capítulos da minha história. Livre da tortura de recusáveis des-ilusões. Ó Sancta simplicitas!

Referência:
NIETZCHE, Friedrich. Além do bem e do mal: prelúdio a uma filosofia do futuro/ Tradução e notas de Renato Zwick – Porto Alegre, RS: L&PM, 2012.