quinta-feira, 18 de abril de 2013

Infindável tesouro





Guardar
Antonio Cicero


Guardar uma coisa não é escondê-la ou trancá-la.
Em cofre não se guarda coisa alguma.
Em cofre perde-se a coisa à vista.

Guardar uma coisa é olhá-la, fitá-la, mirá-la por
admirá-la, isto é, iluminá-la ou ser por ela iluminado.

Guardar uma coisa é vigiá-la, isto é, fazer vigília por
ela, isto é, velar por ela, isto é, estar acordado por ela,
isto é, estar por ela ou ser por ela.

Por isso melhor se guarda o vôo de um pássaro
Do que um pássaro sem vôos.

Por isso se escreve, por isso se diz, por isso se publica,
por isso se declara e declama um poema:
Para guardá-lo:
Para que ele, por sua vez, guarde o que guarda:
Guarde o que quer que guarda um poema:
Por isso o lance do poema:
Por guardar-se o que se quer guardar.


Poema extraído do livro "Guardar - Poemas escolhidos", Editora Record - Rio de Janeiro, 1996, pág. 337. Antonio Cicero nasceu no Rio de Janeiro, em 1945. Formou-se em filosofia na Universidade de Londres.

terça-feira, 9 de abril de 2013

Tudo Sob Controle






Nove de abril, Dia Nacional de Combate à Corrupção no Brasil. Com exceção dos noticiários pouco se viu falar a este respeito. A população permanece caluda e inerte. Estaria assolada pelo desanimo? Pouco acredito. Com grande pesar assisto a consternação de um povo se abreviar à derrota do time de futebol. 

Como justificativa pela instituição de uma data com aparência absolutamente repugnante, nesta terça-feira (9) uma operação de combate à corrupção em pelo menos 12 Estados brasileiros cumpriu mandados de busca e apreensão, bloqueio de bens, prisão e afastamento das funções públicas.

Entre as irregularidades encontram-se o desvio de dinheiro em órgãos municipais e estaduais, pagamento de propinas, superfaturamento de produtos e serviços, utilização de empresas fantasmas, lavagem de dinheiro, compra de sentenças, sonegação fiscal e enriquecimento ilícito de agentes públicos.

Enquanto o cidadão permanece alienado aos crimes cometidos no meio político, a corrupção alimenta de modo visceral o aumento da desigualdade social e da pobreza. Neste Brasil sem miséria, grande parte da população permanece encarcerada enquanto fiel destinatária de políticas públicas de distribuição de renda e prestação de serviços. Abrigados numa prisão sem muros continuarão a comemorar o pão e as chinelas novas.

A explicita relação entre os níveis de corrupção e a pobreza abona o resultado de uma pesquisa realizada recentemente na América Latina e no Caribe. Os dados apurados dão conta que em cada 100 (cem) pessoas no universo pesquisado, 40 (quarenta) são pobres e 18 (dezoito) são indigentes.

Nada obstante, a corrupção seguirá reproduzindo covardes estatísticas sociais como o resultado do (des)interesse nosso de cada dia pelas causas de importância coletiva e comum. Pretendo calçar esta dura afirmação, a respeito das relações entre o poder público e os cidadãos, sob a ótica de Russell (1975, p. 127): “Os seres humanos acham vantajoso viver em comunidades, mas os seus desejos, contrariamente aos das abelhas na colmeia, permanecem amplamente individuais”.  


Referência: