Guardar
Antonio Cicero
Guardar
uma coisa não é escondê-la ou trancá-la.
Em
cofre não se guarda coisa alguma.
Em
cofre perde-se a coisa à vista.
Guardar
uma coisa é olhá-la, fitá-la, mirá-la por
admirá-la,
isto é, iluminá-la ou ser por ela iluminado.
Guardar
uma coisa é vigiá-la, isto é, fazer vigília por
ela,
isto é, velar por ela, isto é, estar acordado por ela,
isto
é, estar por ela ou ser por ela.
Por
isso melhor se guarda o vôo de um pássaro
Do
que um pássaro sem vôos.
Por
isso se escreve, por isso se diz, por isso se publica,
por
isso se declara e declama um poema:
Para
guardá-lo:
Para
que ele, por sua vez, guarde o que guarda:
Guarde
o que quer que guarda um poema:
Por
isso o lance do poema:
Por
guardar-se o que se quer guardar.
Poema
extraído do livro "Guardar - Poemas escolhidos", Editora Record - Rio
de Janeiro, 1996, pág. 337. Antonio Cicero nasceu no Rio de Janeiro, em 1945.
Formou-se em filosofia na Universidade de Londres.